Ministro Marun atenta contra a própria causa
Alguns políticos são treinados para dissimular o mal-estar; praticam a politica real, mas sabem de algum modo dourar a pílula; manobram os mais escabrosos instrumentos do Parlamento tornando-os, por inevitáveis, admissíveis; descartam a força, operam pelo "jeito"; sob um sorriso enigmático, guardam silêncio do que fazem. Getúlio Vargas foi um desses e, por sinal, foi chamado de "Jeitúlio". O desafio é quase sempre tornar o difícil fácil; perverter a lógica do possível. Por isso é que a política é uma arte.
Dadas as condições estruturais da economia e do Estado brasileiros, a Reforma da Previdência tornou-se algo inevitável; transformou-se num imperativo; sob muitos aspectos, uma razão de Estado. Logo, será feita tarde, mais tarde ou, talvez, tarde de mais, mas é inescapável. Economistas, os mais brilhantes, já a explicaram e tornaram evidentes seus motivos. Desnecessário repeti-los. Pode ser esta que tramita no Congresso, pode ser outra, mas o que não é possível é que não haja reforma alguma.
Também para o governo Temer ela, a reforma da Previdência, se tornou questão de vida ou morte: sem ela, o governo acaba e a Lava Jato aperta. Sim, como se sabe, o governo não é nenhuma geladeira especial, dessas bacanas (tipo Brastemp), mas o problema é que o vácuo até a posse de um novo presidente da República só trará maiores dissabores ao país; rapidamente, a economia irá pelo ralo e as perspectivas de futuro serão sombrias.
E nada disto fará com que um novo governo se desobrigue de buscar a reforma — em condições ainda mais dramáticas. Simples assim.
Há de se reconhecer que a aprovação da reforma não escapará do fisiologismo do sistema político. Dada sua dramaticidade, a liberação de recursos para estados, municípios e parlamentares é inevitável — a política não é, definitivamente, o lugar para anjos e santos; os bons princípios, às vezes, não sobrevivem à sagacidade das raposas.
Isto, no entanto, deve se pautar por pelo menos dois critérios: 1) o custo moral e fiscal, com liberações de recursos, não pode, evidentemente, ser maior que o benefício da reforma; 2) a opinião pública precisa ser esclarecida da necessidade da reforma e não pode ficar contrariada com os métodos para aprova-la.
Mas, há políticos que fogem a qualquer critério; enxergam a atuação política como um mercado aberto a todo tipo de negociação. Não têm pudor e acham que isso é normal — ou mais: que não deva ser feito com discrição. Como elefantes em loja de cristais — desajeitados, com estardalhaço —, quebram tudo. Línguas soltas, jactam-se da truculência, evidenciam vícios como se virtudes fossem; sem noções de mediedade ou temperança, falta-lhes compostura.
Acabam, por fim, por gerar novos custos morais, reforçando a antipatia da opinião pública e fortalecendo a resistência contra a reforma. E, pior que tudo, deseducando a população.
O problema do Brasil, nesta quadra histórica que atravessa, é que ao mesmo tempo em que o primeiro tipo de político torna-se raro, escasso — talvez pertença a um tempo sem volta que se perdeu —, o segundo tipo abunda: é mesmo comum pelos corredores do Congresso Nacional e nos Palácios do governo.
Uma vez na TV, em rede nacional, falam para dentro, para a base, nos seus termos, que são assim brutos, toscos e grosseiros. Capazes de escandalizar não pelo excesso de franqueza, mas pela falta de tato e pela deselegância. Indignando a opinião pública — sobretudo, em ano eleitoral — conseguiriam, com maior eficácia, pressionar deputados e senadores, com vistas a aprovação da reforma da Previdência?
Tais predicados não tardariam a ficar evidentes no novo ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun. Sua declaração sobre liberações de verbas públicas para os estados, em troca da aprovação da reforma da previdência — ou, antes, da pressão de governadores sobre deputados — é um exemplo acabado da escassez de quadros; da derrota não apenas da ética, mas também da inteligência e da elegância. Políticos assim atentam contra a própria causa. Mesmo quando se trata de causa justa ou inevitável.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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