Fim de ano de especulações impossíveis
Final de ano e, por toda imprensa, são comuns as matérias especulativas sobre o próximo ano. Na escassez de assuntos mais quentes — é verdade —, ganha corpo essa aflição em relação ao futuro. Ainda mais neste momento, onde há essas múltiplas crises na economia, na política, na sociedade e sendo 2018 um decisivo ano eleitoral.
Difícil adivinhar o futuro: disse Manuel Castells que a história primeiro acontece e, depois, nós, cientistas sociais, tentamos entende-la. E, mesmo assim, nem sempre é possível explica-la. Melhor apelar à humildade e repetir o clichê: quem disser que compreende o que se passa mente ou não compreendeu nada. A única regularidade do mundo moderno é a irregularidade; o normal é volátil.
Mas, o interesse especulativo gira em torno da eleição e de cada candidatura já colocada à presidência da República. Deveria ser fácil explicar, afinal, a menos de um ano da eleição, candidatos deveriam ser conhecidos; os programas — ou pelo menos as bandeiras — deveriam ser de domínio público. Deveriam. Como disse, nada mais é tão simples.
Na verdade, nem mesmo o grid de largada da eleição está definido. A começar pelo primeiro colocado nas pesquisas. Ninguém á capaz de afirmar se Lula será candidato ou não. Nem mesmo, individualmente, cada um dos membros da Justiça, envolvidos com seu processo. A decisão não dependerá apenas TRF da 4a. Região; qualquer que seja a decisão nessa instância, despertará o jus sperniandi das partes: recursos, delongas, indefinição sem saber até onde e quando.
Eventualmente, sem Lula o quadro torna-se ainda mais imprevisível: quem seria o candidato do PT? Haddad, Wagner, Ciro? Lula transferiria o capital eleitoral pessoal — muito maior do que o PT — e com que grau de dramaticidade política o faria? Esta é apenas a primeira indefinição; há outras.
Já parece claro que Jair Bolsonaro deixou de ser o espantalho folclórico que já inspirou; sua candidatura é para ser levada a sério até porque o deputado não é mais um mero depositário de votos de protesto, como foi o caso do Dr. Enéas (Carneiro); o capitão, hoje, tem sim, seguidores tão fundamentalistas quanto os de Lula e do PT. Goste-se ou não, a decepção com a política e o elogio à força bruta criaram bases orgânicas, com raízes sociais.
É de se esperar que o pouco tempo de TV e a pequena estrutura partidária — além da possibilidade de virar vidraça — descapitalizem o patrimônio que Bolsonaro hoje parece deter. Todavia, se consolidar com algo em torno de 15% do eleitorado, numa eleição fragmentada — com possibilidade de grande abstenção —, torna-se, sim, competitivo, pelo menos para primeiro turno. Sua viabilidade será, em si, fator de instabilidade, capaz de gerar acordos e alianças informais hoje impensáveis.
E o que dizer do autoproclamado "centro democrático" — ou "Centrão fisiológico"? Quantos candidatos terá?
Henrique Meirelles já se mobiliza sem freios, nem pudor; viabiliza sua candidatura para além dos bastidores. Por sua vez, Geraldo Alckmin demora a decolar e, agora, enrolou-se um tanto mais com a Lava Jato. Todavia, não há como o governador possa abrir mão, sair do páreo; sua candidatura, no PSDB e no seu cálculo pessoal, é fato consumado. O que fazer?
Há que se considerar também João Doria, ainda em prontidão, esperando meia brecha no paredão para que possa abrir-lhe um rombo e concretizar seu sonho presidenciável.
Aliás, há também de se perguntar que papel terá o governo Temer no concerto eleitoral. O marketing governista, é obvio, insiste em afirmar que o presidente e de seus aliados deixarão "legado". Há que se reconhecer que a equipe econômica labuta a cada dia para colocar a economia no eixo, mas por que esse suposto capital ficaria com Temer e não, exclusivamente, com Meirelles?
Por sinal, o conjunto do governo — economia E política — deixará virtuoso legado econômico ou legará inegável ônus político moral? Qual será, ao final, o saldo? Qualquer que seja o candidato, pouco provável que carregue apenas bônus. A realidade não é tão cor-de-rosa assim.
Considerados os principais nomes à esquerda, direita e centro, falta avaliar, no agregado, o papel que terão Marina Silva, Ciro Gomes, Álvaro Dias, João Amoedo, Ronaldo Caiado…. Num ambiente volátil e imprevisível, por autônomas em relação ao PT, PSDB e governo, essas candidaturas podem tomar corpo e desempenhar algum papel, no jogo eleitoral. Qual será?
E há, é claro, avenida aberta para o outsider. Muitos podem se apresentar, mas esse trem não é para qualquer um: precisa vir de fora do sistema, mesmo; ser amplamente conhecido, reconhecido por alguma virtude especial, comunicar bem; cercar-se de gente minimamente confiável. Se é que existem, há poucos assim. Se surgirá ou se vai se omitir, só o tempo dirá. O livre pensar já não é mais o simples pensar. Neste final de 2017, até mesmo o mero especular ficou difícil; quase impossível.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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