Não se antecipar e arbitrar interesses é o maior erro do governo
A ambiguidade é uma das artes da política: na dubiedade de declarações e gestos, busca-se equilibrar conflitos e expectativas. Mas, ao mesmo tempo, diz a sabedoria antiga que "ninguém é feliz servindo a dois senhores". Num determinado momento, a ambiguidade se revela e a dubiedade se transforma em indecisão; trata-se de uma arte porque é difícil saber o momento certo de abandonar a vacuidade dos discursos e se decidir por isto ou por aquilo, preocupando-se, ainda assim, com o equilíbrio geral. Arbitrar é, enfim, o grande desafio de qualquer governo.
Embevecido pela facilidade com que se deu o impeachment e a tomada do poder, o governo Temer julgou-se capaz de permanentemente servir a não mais a dois, mas a três senhores: ao fisiologismo do sistema político; à dinâmica social complexa da sociedade moderna, e aos rigores da ortodoxia do mercado financeiro. Esqueceu-se que a ambiguidade é apenas um recurso discursivo e se perdeu. Tendo cortejado a todos, termina, por fim, a desagradar a todos.
O caso da paralisação dos caminhoneiros é exemplar. Há um problema estrutural: o modelo de transporte brasileiro é rodoviário, a distribuição de quase tudo o que se produz se faz por caminhões; o grande transporte de pessoas por ônibus. Tudo movido a óleo diesel, nas estradas e nas cidades. Ao mesmo tempo, dentro da lógica formal do mercado, a política de preços da Petrobrás é natural e fortemente influenciada pelos preços internacionais do dólar e do Petróleo.
A correlação entre um e outro é óbvia e o conflito, em algum momento, será inevitável. Se os preços do óleo diesel se elevam, sobem os custos do transporte. Caminhoneiros, como qualquer ser humano, não podem trabalhar de graça. Solução mais óbvia do mercado seria aumentar o frete. Tampouco isso é simples, pois implicaria num aumento geral de custos e, daí, à inflação. Por sua vez, o controle da inflação é econômica e socialmente fundamental. Politicamente, é dos poucos trunfos do atual governo. Dá-se a cilada.
O governo é o acionista majoritário da Petrobrás, no limite é ele quem dá as cartas. Mas, ele precisa de sócios na empreitada, oferta ações no mercado. Preocupar-se com os interesses de acionistas minoritários da empresa é justo moral e economicamente. Mas, nada é absoluto. Também aí haverá conflito, eventualmente. É tarefa maior do governo preocupar-se também com os interesses mais gerais da sociedade. Outra cilada.
Para não colocar esse frágil equilíbrio em risco, o governo precisa se antecipar às ciladas das circunstâncias. É tarefa do governo. A ambiguidade deixa de ser eficaz quando é preciso agir e arbitrar conflitos. Se ela, a ambiguidade, pode ser instrumento eficaz — e duvidoso — no contexto de uma eleição, seu exercício continuado no governo comporta erros e confusões absolutamente improdutivos.
O atual governo, no entanto, parece viver em período eleitoral — embora o presidente se viabilizasse, durante o impeachment negando que faria isso. A confusão que desperta é mesmo uma tragédia quando a questão é abandonar o discurso ambíguo e se antecipar aos problemas. Não antevê riscos, não se comunica de modo pedagógico e politicamente eficaz. Liderança serviria para isto.
De tal modo que o governo de Michel Temer desagradou à sociedade, petrificada diante do risco de desabastecimento; desagradou ao mercado ao revelar bruscamente que, no limite, o controle da Petrobrás é, sim, estatal. Pedro Parente qualificadíssimo gestor é, sim, funcionário do governo, nomeado pelo presidente da República. O discurso da autonomia da empresa, como tudo no mundo, tem limites e obedece, sim, à lógica da política.
O que a sociedade e o mercado se devem esperar do governo é que sua interferência sobre as empresas estatais não se dê em nome do interesse público, no limite dos conflitos. Não por negócios escusos, pelo direcionamento de investimentos nocivos e suspeitos, como ocorreu na própria Petrobras e ocorre, eventualmente, em diversas estatais. Não se pode servir a dois senhores. Mas, é possível negociar e atender um de cada vez.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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