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Blog do Carlos Melo

Mais difícil será governar

Carlos Melo

15/05/2018 08h31

A Pair Of Boots (1887) – Vincent Van Gogh

Joaquim Barbosa é um sujeito surpreendente, mercurial, dado a decisões inesperadas e a um comportamento explosivo. Ainda assim, desde o anúncio de que não concorreria à candidatura presidencial, muita gente tem se perguntado por que, afinal, o ex-ministro abriu mão de uma eleição em que seria protagonista, com relativas chances de ser eleito, como apontavam trackings telefônicos que consideravam sua participação no pleito.

Houve quem alegasse que tudo se explicaria, justamente, por conta desse temperamento instável, tipo la donna é mobile — "como pluma ao vento, muda de palavra e pensamento" —, como consta do Rigolettode Verdi. Pode ser.

Mas a favor do ex-ministro há que se reconhecer que nunca anunciou que seria candidato. Tampouco frequentou estúdios de TV e editorias de jornais, estimulando seu nome. Mesmo frequentemente instado a concorrer, Barbosa manteve-se silente, reticente. A imprensa e analistas afiançavam que seria candidato, outros tantos especularam com seu potencial eleitoral — eu, inclusive. Menos ele. Logo, a notícia carece de exatidão, ninguém desiste do que nunca teve. Barbosa abriu mão de uma possibilidade, só isso.

Já outros tantos arrematam dizendo que eleição não é para amadores, que o sistema eleitoral brasileiro seleciona, separando aventureiros de profissionais; que lhe faltaria estrutura partidária, apoios políticos na sociedade e expertise eleitoral. Que teria temor em disputar uma eleição.

São afirmações baseadas nos números das eleições anteriores que, a propósito, formam uma série bem limitada para que se afira dela algo com exatidão, mas que apontam, com efeito, a importância da máquina partidária e os efeitos do governismo. Ainda assim, num ambiente como o atual, nada parece impossível. A conjuntura traz elementos tão fortes e inéditos que podem mesmo sinalizar para transformações estruturais na política e nas eleições nacionais, estabelecendo um novo padrão daqui por diante, questionando leis gerais, dinâmicas tradicionais e inferências vulgares, conectando causas e efeitos que deixaram de existir.

Tudo é possível e o certo é que o passado parece incapaz de explicar o futuro. Vem à cabeça a frase que já virou clássica, dita pelo ministro Pedro Malan: "no Brasil, até o passado é incerto". Quanto mais o futuro.

Não creio, portanto, que Barbosa tenha aberto mão da uma candidatura em virtude de receios que pudesse ter em relação à campanha, às adesões ou críticas que encontraria pelo caminho. O PSB é um partido bem plantado na maioria dos estados do país e seu DNA político é de ampla abertura para buscar alianças e fechar acordos pragmáticos.

Além disso, numa campanha tão curta como será a deste ano, uma onda Joaquim poderia se estabelecer sem dar tempo a que as estruturas tradicionais da política brasileira tivessem efeito e reação. Sim, política também é onda de opinião pública. Máquinas eleitorais e do Estado podem muito, mas não podem tudo. E, como disse Victor Hugo, "nada é mais poderoso do que uma ideia cujo momento chegou". O historiador Paul Johnson afiança que "nada é mais forte que um homem que compreendeu a ideia cujo momento chegou". Poderia ser o caso de Joaquim Barbosa. Mas, não foi.

De modo que a mim não parece estar na campanha os motivos que fizeram com que Joaquim Barbosa não montasse o cavalo que lhe passava encilhado. Deve ter pesado muito mais a avaliação que fez do futuro, das condições que encontraria em seu eventual governo, do que a briga que teria que encarar durante a campanha — até porque, pelo que demonstrou no STF, Barbosa é chegado a uma escaramuça.

E de fato o quadro que o próximo presidente encontrará não será de fazer inveja a seus adversários eventualmente derrotados. A economia, mais ajustada do que na época de Dilma, continua, no entanto, aquém do necessário para o sentimento de bem-estar. Não há inflação e os juros baixaram, mas há desemprego e o fantasma de um revés no cenário internacional uiva na janela do quarto.

O problema fiscal está colocado, não haverá escapatória para a questão polêmica e impopular da previdência, o aperfeiçoamento/revisão da reforma trabalhista, a discussão séria com estados e municípios da reforma tributária; a reforma política que propicie, pelo menos, algum tipo de reordenamento partidário capaz de fazer o governo menos refém do fisiologismo do Legislativo.

Tudo isto se coloca como um imperativo, mas nada disso é simples. O Congresso Nacional tende ao mesmo espírito e feição do atual; os mesmos vícios. O sistema político está aos pedaços, os três maiores partidos políticos atravessam crises sem precedentes e dois deles, PT e PSDB, caso derrotados, tendem a passar por um profundo processo de revisão, onde a fragmentação dessas legendas parece ser um cenário mais que plausível.

Joaquim Barbosa teria — aí sim, e não na eleição — enorme dificuldade em lidar com o quadro que herdaria. Poderia compor uma boa equipe, evidentemente. Mas, a articulação, a formação de consensos progressivos — o que pressupõe fazer concessões —, a comunicação e a liderança são, no limite, atribuições do presidente da República; seriam inescapáveis. Não estaria livre para dar vazão ao seu temperamento; lhe faltaria a faculdade da paciência, essa virtude política imprescindível.

Ao mesmo tempo, a expectativa de seus eleitores seria a de encontrar o mesmo ser impávido e decidido dos tempos do julgamento do mensalão. A frustração não tardaria a se manifestar. Isto não é incomum, se deu com Fernando Collor de Mello. Collor foi presidente cheio de promessas e fúria, capaz de pressionar o sistema político nos primeiros meses de governo, sucumbindo depois à realidade da impotência e da conciliação. Restou só, como implorava para não o deixarem.

De algum modo, em seu Twitter e nas curtas explicações que deu após declinar da vaga ofertada pelo PSB, Joaquim Barbosa manifestou esta mesma percepção, ao expor melancolicamente, os limites do sistema político. E, assim, olhando para o futuro, é possível que tenha enxergado os rostos de Collor ou de Jânio Quadros como um alerta, o que deve ter-lhe dado engulhos. Melhor seria cuidar da própria vida. Entendido de um ponto de vista pessoal, não está de todo errado. Vencer a eleição pode até ser fácil, o difícil será o governo e seu martírio.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.