Joaquim Barbosa e o não fato político
Se a paciência de Joaquim Barbosa já era pouca ao lidar com seus colegas de Supremo Tribunal Federal, imaginem o que foi este mês, em que teve que se relacionar com o confuso sistema político brasileiro. Um meio complicado, cheio de idas e vindas, negociações de princípios e concessões. Ceder e ainda avançar é o desafio. Inevitável engolir alguns sapos. Não por acaso se diz que a Política é a rainha das artes.
O fato é que assim como surgiu num repente, Joaquim Barbosa se vai noutro — pelo menos por enquanto. Surpreende a todos mas causa o alívio de muitos. Pesquisas qualitativas já apontavam que o ex-ministro teria um relevante papel na eleição. Ocuparia espaços, atrairia eleitores de seus adversários e pautaria boa parte do debate. Havia mesmo potencial para ser o protagonista do processo.
Poderia ainda vir a desistir da desistência? Quem lê a história da eleição de 1960, sabe que Jânio Quadros, com o propósito de não fazer concessões e ter total controle do processo, com frequência ameaçava seus companheiros de UDN com a possibilidade de renunciar à candidatura — até que o fez, já eleito. Ao que tudo indica, Barbosa é diferente.
A pergunta que se faz é quem ganha com a desistência do ex-ministro; para onde irá seu potencial eleitor?
Pois, este é o primeiro erro que se pode cometer: o eleitor, no singular, não existe. Na verdade, há um todo mais ou menos heterogêneo que tende a rumar em direção à determinada candidatura o faz em virtude das mais variadas características que possui. Uns o apoiam em virtude disto; outros, em razão daquilo. Sobretudo, no caso de Barbosa que era uma espécie de candidato multiuso.
Era até aqui o candidato que reuniria a mais variada composição de símbolos, que se complementam dando-lhe a personalidade política que possui: menino pobre e negro que venceu na vida e o preconceito pelo estudo, às custas da meritocracia; o combatente da corrupção, primeiro verdugo dos políticos; o outsider que não compactuaria com o sistema; também a pouca paciência, o temperamento mercurial indisposto a se submeter ao que quer que fosse.
Assim, eleitores distintos se juntariam a ele por conta dessas características também distintas. Então, quem herdaria esses eleitores? Pois, é. No cardápio das candidaturas postas até aqui, ninguém reúne tantos e todos os símbolos do ex-ministro do STF.
Marina Silva possui uns tantos, como a ascensão social, pela luta e esforço pessoal, a imagem de honestidade; Álvaro Dias pode empunhar o discurso da crítica ao sistema, ainda assim questionado ao político profissional que é há décadas. Até Jair Bolsonaro terá por enquanto a exclusividade da contundência que sugere o uso da força. O mais provável é que os eleitores se dividam.
Geraldo Alckmin, Ciro Gomes e o eventual candidato do PT se favorecem? Apenas na medida em que retiram uma enorme pedra do sapato. Com a desistência, tendem a segurar eleitores que poderiam escapar na direção do ex-ministro. Não se verão invadidos em seus campos: a centro-direita, a centro esquerda e a esquerda, respectivamente, pois, por amplo, seria ali que Joaquim granjearia a maioria de votos. Ter menos um com quem se preocupar, ajuda.
Mas, não ser obstaculizado não implica necessariamente em ser favorecido, menos ainda em receber um impulso. Impulsos eleitorais se dão por fatos políticos e a desistência de Joaquim Barbosa é um não fato político. E cada um destes três — Alckmin, Ciro e PT — necessitam de impulsos, por meio de fatos políticos maiores que a desistência de um adversário.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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