A formação da inevitável Maioria parlamentar: o que fazer?
Ainda que o tempo pareça um eterno e sufocante presente, o futuro é o lugar onde inevitavelmente viveremos. Por isso, é bom refletir e cuidar de suas condições gerais, que o novelo da história do ex-presidente Lula e as idas em vindas da Justiça possa se desenrolar enquanto se avalia o cenário nacional, quando o país voltar a ter um presidente da República eleito pela vontade dos homens e mulheres e não pelas tramoias do destino.
O fato é que o próximo presidente da República — não importa quem — estará condenado a se moer no áspero da crise fiscal, do conflito e da intolerância política, além das inesgotáveis negociações com o Poder Legislativo. Embora venha a contar com a legitimidade das urnas, isto não bastará, como nunca basta. Será duro. E é improvável — praticamente impossível — que o escolhido das urnas retire delas também a maioria parlamentar.
É inevitável, terá que compor com um Congresso que tende a apresentar as mesmas poucas virtudes do atual e seus muitos vícios. O hiperfisiologismo é uma prática que não desaparece por gesto de vontade. Acresce a isto que a agenda do próximo presidente passará, obrigatoriamente, por de cortes de despesas e reformas estruturais tão inevitáveis quanto impopulares. Não há mágica, alguns dos atores podem mudar, mas a lógica do sistema será a mesma.
À parte da lua-de-mel dos primeiros cem dias, quando quase tudo é marketing e flores, o fato é que o eleito se defrontará com a realidade de colapsos vários, ausência de lideranças e mesquinharias que se consolidaram nos últimos anos. Um enredo conhecido: liberação de cargos, verbas e, ao longo do tempo, a concessão de diretorias de estatais que se fará com os riscos de formação de esquemas pouco republicanos.
Tudo o que se conseguiu (ou não) avançar nos últimos anos se esvai no médio e longo prazos, se não houver vigilância pública e aperfeiçoamentos institucionais. Mudar o modo de formar maioria no Legislativo será o maior desafio do próximo governo.
Presidente da República, governadores e vários prefeitos — cidades com mais de 200 mil eleitores — são eleitos com, no mínimo, 50% mais 1 dos votos, enquanto o sucesso de seus partidos é bem modesto. Em 2014, por exemplo, o PT, partido de Dilma Rousseff, obteve apenas 13,64% das cadeiras. O PMDB, partido de Michel Temer, alcançou 12,86%. Juntos, obtiveram pouco mais que ¼ dos votos — nem todos comprometidos e fiéis.
A coligação vitoriosa conquistou 304 cadeiras na Câmara, entre 513 possíveis — pouco menos que o quórum constitucional para reformar a Constituição, de 308 votos. Todavia, a lógica da coligação é meramente eleitoral, o compromisso é frouxo e fluído. Cada um por si, os candidatos ao Parlamento retiram o bônus do que houver de positivo no marketing do majoritário, mas não se prendem a qualquer programa ou compromisso para governar.
Numa situação de fragmentação e pouca efetividade dos partidos, esse esforço fica ainda mais trabalhoso, pois se foi um esforço para compor a coligação, maior ainda será para juntar os cacos dos eleitos. E dali fechar acordos para formação de maioria programática, fazer reformas, se proteger dos ataques que a oposição, no seu direito, naturalmente fará.
Pelo sistema atual, é pouca a identificação e o compromisso programático com os cabeças-de-chapa. Nada garante que isto possa mudar significativamente, mas é preciso tentar mitigar os efeitos perniciosos desse processo.
Em entrevista recentemente publicada, Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo — professor e atualmente, meu colega no Insper — se arriscou a propor que nos próximos pleitos (após 2018) a eleição parlamentar venha a ser realizada nos segundos turnos, quando já houver presidente, governadores e prefeitos eleitos ou quando restarem apenas os dois candidatos classificados no primeiro turno.
Seria um modo, de acordo com Haddad, de estimular e organizar compromissos explícitos, por parte dos postulantes ao Congresso, em torno de candidatos, programas e agendas. As maiorias necessárias aos governos encontrariam, assim, um modo mais rápido, transparente e democrático de se organizarem nas urnas, em torno da euforia, confiança ou compromissos que o futuro governante despertou na eleição. Parece fazer sentido.
Evidentemente, Haddad não inventou a roda. Há países em que isto já ocorre, como por exemplo a França. Foi neste país em que recentemente vimos a eleição do presidente Emmanuel Macron influenciar o turno posterior, quando foi eleito o Legislativo claramente identificado com o presidente eleito. Mesmo assim, é uma tentativa de buscar saídas.
Para o eleitor também ficaria mais simples: ao invés de se perder um universo imenso de opções não muito claras, com inúmeros candidatos dos mais diferentes e diversos matizes, poderá se orientar por meio de critérios claros de apoio ou oposição ao presidente eleito ou aos finalistas do segundo turno. É hora de pensar no futuro; acender velas, a despeito e em combate à escuridão.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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