Eleições: partidos atrasados
Com a decisão de intervir na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, o presidente Michel Temer põe ponto final em sua disposição legislativa. Daqui até a eleição, a depender das relações desgastadas de Temer e Rodrigo Maia, nada de mais relevante será votado — ainda que todos possam fingir que sim.
É crônica de morte anunciada. O êxito do governo em seus primeiros meses foi saudado com empolgação. Dizia-se que Michel Temer, especialista em Congresso Nacional, aprovaria tudo o que quisesse e fosse necessário. Conhecia o caminho das pedras do fisiologismo nacional, logo, não ficaria na mão.
Acontece que era perceptível a voracidade do apetite fisiológico. Mesmo que quisesse — e Temer quis — faltariam recursos ao governo para saciar a fome por cargos, recursos e esquemas. Depois, vieram as votações para livrar a cara do presidente e, por fim, a lógica eleitoral. Nada mais haveria mesmo que esperar.
O fato é que reformas estruturais, por inevitáveis, ficarão para o próximo governo qualquer que seja ele: centro, direita, esquerdista. A capacidade de financiamento do Estado brasileiro chegou no fundo do poço. No mais, transformações estruturais, como a demografia, imporão a realidade aos mais relutantes.
Agenda eleitoral
A agenda, agora, é mesmo eleitoral. Pode-se chama-la até de Segurança Pública, mas, também aí é eleitoral. Tudo girará em torno da eleição; explicitamente ou nos bastidores, não importa. O fato é que toda a energia e a lógica se voltará para a disputa pelo poder.
Os partidos políticos sabem disso, suas lideranças só pensam nisso. E está aí, neste momento, o pulso da política. Setores políticos e sociais já se articulam e mobilizam-se para definir seus candidatos a presidente da República, governadores de Estados e senadores. Também a Câmara Federal e as Assembleias Legislativas se agitam.
E assim, começa a montagem de um quebra-cabeça: fazer coincidir o interesse nacional dos partidos com os interesses regionais e a necessidade de composição política. Neste momento, já seria hora de testar a capacidade dos candidatos a presidente e de seus assessores mais próximos na arte de conciliar interesses.
Mas, nada neste ano será muito simples. Foram-se as festas, as férias e o Carnaval. Estamos em março. E, pela primeira vez em muito tempo, encerraremos o primeiro semestre do ano eleitoral sem saber ao certo quem serão os candidatos. Considerando as três maiores forças políticas — pelo menos assim foram na última eleição —, PT, PSDB e MDB andam bem enrolados nesse esforço de definição de nomes e composições e não sabem ao certo o que fazer.
Aparentemente, o PSDB é o mais adiantado porque pelo menos sabe — ou acredita saber — que já tem um candidato presidencial definido. Em que pese não decolar e patinar nas pesquisas, Geraldo Alckmin jogou parado, deixou com que os adversários no seu campo — Doria, Huck e Arthur Virgílio — se esboroassem e, assim, consolidou o nome. Ainda que reste saber se conseguirá consolidar-se como alternativa eleitoral real de poder.
Jair Bolsonaro também se fixou como fato consumado: para o bem ou para o mal, será candidato, mesmo que a manobra de Michel Temer, na Segurança, venha a lhe retirar fôlego.
MDB e PT atrasam-se no processo.
O MDB diz que procura alguém que defenda o que chama, com grande inexatidão, de "legado do presidente Temer". (Legado… que legado?) O governo tem a bandeira das reformas a meio pau; a recuperação econômica, idem. E no campo da política e da ética, certamente, não se poderá chamar de legado o que deixa para o país.
Mas, ainda assim, sonha com uma aliança com os tucanos. Geraldo Alckmin, no entanto, se protege de Michel Temer como quem foge da febre amarela ou da varíola. Embora o tempo de TV do MDB lhe interesse muito, por enquanto, pelo menos, permanece afastado; esquivando-se para evitar contaminação.
Assim, o que tem sobrado para o presidente e seus correligionários é a insistência do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em uma candidatura quase simbólica. Apropriando-se do que sua equipe — essa sim — poderia chamar de legado; Meirelles dá sinais de que vai em busca do sonho presidencial, nesta que pode ser sua última oportunidade.
A opção para o governo é a aventura do próprio Temer, que procura surfar na onda da violência pública, agarrando-se ao discurso fácil da segurança pelas mãos do Exército nas ruas. Também uma forma de se capitalizar politicamente, mesmo que, ao final, não saia candidato. O presidente busca desse modo cacifar-se para negociação de apoio em troca de proteção, em 2019.
Como se vê, alternativas, no mínimo, precárias.
Já o PT sofre da estreiteza e teimosia que lhe são históricas e peculiares. Seus próceres — ou a débil direção que restou após a extraordinária sequência de desastres — insistem que vão com o ex-presidente Lula até o fim, mesmo que intimamente saibam que não irão a lugar algum desse modo.
O mais provável é que Lula seja impedido de concorrer. A condenação em segunda instância o faz ficha suja. Não tem jeito e nem a Justiça tem se mostrado particularmente tolerante com o ex-presidente. Mas, vale que o PT se preocupe em mantê-lo em liberdade. Já lhe seria um ganho tê-lo livre para influenciar na campanha.
Mas, o PT vem, aliás, se especializando na arte do autoengano. Primeiro foi acreditar que a economia sob Dilma não precisaria de ajustes radicais. Depois, foi se iludir que diante da situação do país poderia operar a ambiguidade de um governo com Joaquim Levy, de um lado, e Nelson Barbosa, Aloízio Mercadante e Dilma Rousseff, de outro.
Ao mesmo tempo, deu-se pouca importância, em seu berço, para a Operação lava Jato. Depois, acreditou-se capaz de enfrentar Eduardo Cunha e o PMDB, em campo aberto. Mais tarde, fiaram-se no tal "exército do Stédile" como elemento de inibição do impeachment. Na sequência, avaliaram enfrentar os processos de Lula na Justiça, com a politização da questão e enfrentamento ao Judiciário.
Todos conhecemos a história: quebraram a cara; erro após erro, num rosário de fracassos e bobagens. Agora, essa crença na possibilidade de disputa e vitória de Lula. Demonstra que o PT não compreende o jogo e a gravidade de sua situação — ou tem mesmo dificuldades em aceitar alternativas a Lula que se abrem dentro e fora do partido.
Como definir palanques regionais, negociar com candidatos aos governos e ao Senado, fechar estratégias de campanha quando não se tem definição do mais básico: a cabeça da chapa, o candidato a presidente? Eis o problema de MDB e PT, ainda os dois maiores partidos do Brasil. Ainda.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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