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Blog do Carlos Melo

Aglutinadores naturais

Carlos Melo

23/02/2018 07h50

Le Moulin de la Galette, Vincent van Gogh — 1886-1887.

Diz-se que o autodenominado "centro democrático" está fragmentado em uma série de candidaturas e que isto é, em si, um problema para a viabilidade eleitoral desse campo, em outubro próximo. Não há, até aqui, quem possa aglutinar o espectro centrista e isto tem deixado apreensivos os seus membros.

Com efeito, Henrique Meirelles, Rodrigo Maia, Geraldo Alckmin, Álvaro Dias e, agora, até Michel Temer estão na parada e isso torna a disputa interna ao próprio campo o primeiro e grande desafio de cada um de seus postulantes. Os bastidores fervem e não falta quem preocupe puxar o tapete do outro, pois a viabilidade de um pode se dar pela desgraça do outro. O jogo da política consiste em agregar, não dividir; mas a arte de agregar, às vezes, supõe a destruição do próprio aliado.

Muito tem se falado das fraturas do tal Centro, enfim, mas o fato é que, com o impedimento do ex-presidente Lula à eleição deste ano, também a Esquerda passa a sofrer dos males da ausência de um aglutinador natural. O PT jura insistir com Lula até o fim, num ritual quase religioso, mas o problema é que pode ficar sem ninguém. Depois, não adiantará reclamar da sorte ou maldizer a democracia. É a política.

E seja quem for o substituto de Lula — assim que o PT se convencer da inevitabilidade da escolha —, esse nome terá bem menos poder de coesão do campo do que tem ou teria o ex-presidente. Dê-se a ele o rosto de Jacques Wagner ou Fernando Haddad, Guilherme Boulos, Ciro Gomes e Marina Silva fragmentarão as escolhas dos eleitores que preferem candidatos desse perfil.

É evidente que também aí a fragmentação não é coisa boa. Além do jogo de soma zero que se reproduz, como no Centro, farpas naturais da disputa podem obstruir o necessário diálogo de segundo turno, que por si só exigirá diálogos e aproximações bem mais amplos, até mesmo fora do campo.

O fato é que a Lava Jato fez um baita estrago, desmantelou forças e fragmentou os campos políticos, antes hegemonizados por PT e PSDB. Disto resultou essa falta de aglutinadores naturais, o que torna estas eleições ainda mais imprevisível.

Ademais, hoje, ambos esses campos, Centro e Esquerda, se depararão, com uma realidade que havia tempos não se apresentava na política nacional: pela primeira vez em anos, a direita está bem delineada, fortalecido pelo espírito do tempo em que se vive e pela consolidação de uma nova liderança.

Tanto na política quanto nas pesquisas de opinião, Jair Bolsonaro vem se consolidando como representante de um setor social que nos últimos tempos se libertou de cobranças do passado e assumiu sem restrições psicológicas o seu jeito truculento de ser. Trata-se de um espírito político que tem se expandido e se expande quanto mais o Centro e a Esquerda fracassam; quanto maior é a crítica ao sistema político.

O discurso e a penetração de direita só têm crescido. E o "Capitão Bolsonaro", como gosta de ser chamado, bem ou mal, é seu o maior expoente. Possui admiradores e militantes sem receio em defender o conservadorismo reativo e militar. Sempre existiram, mas estavam apagados desde o ocaso do malufismo, no final dos anos 1990. Ressurgiram agora, nas brechas e falhas da democracia.

Assim, Bolsonaro só é exótico para aqueles que ainda não se convenceram da organicidade que assumiu. Expressa hoje um eleitorado que possui, sim, empatia com seu líder e com sua agenda. Numa ampla avaliação das atuais pesquisas, essa parcela do eleitorado pode compreender algo em torno de uns 15% do geral.

Ora, a menos que por algum motivo até aqui desconhecido Bolsonaro seja taxativamente desconstruído, numa eleição de grande fragmentação — muitos candidatos, que pulverizam os votos de cada campo — e elevado grau de abstenções, brancos e nulos, seus 15% tornam-se muito competitivos para o primeiro turno, pelo menos.

Acreditar que apenas a intervenção no Rio de Janeiro possa fazer com que o presidente Temer assuma o protagonismo dessa linha dura, desalojando Bolsonaro da corrida eleitoral, parece, além de precipitação, não entender o que se deu com o conservadorismo e com o sistema político nacionais, nos últimos anos. O tempo mostrará, mas é muito plausível que a política nacional tenha feito uma inflexão estrutural, à direita — até porque isto tem acontecido em vários lugares, no mundo.

Voltamos ao Centro e à Esquerda: se não aglutinarem rapidamente seus campos, ambos disputarão apenas uma entre as duas vagas de segundo turno, pois estarão abaixo do patamar de Jair Bolsonaro. O que significa que, divididos internamente, um desses campos pode ficar fora do segundo turno.

De modo que militantes, simpatizantes ou fundamentalistas à Esquerda ou ao Centro deveriam começar a se preocupar com a fragmentação. Ao invés de insistirem com candidaturas que dividem, precisarão encontrar aglutinadores naturais que consolidem opções eleitorais, de acordo valores e crenças de cada campo.

Quem poderá vir a ser esses aglutinadores eleitorais será a grande questão dos próximos meses. Daqui até agosto, a luta pela sobrevivência em cada campo é o que dará o tom da disputa política; muito mais do que o enfrentamento com adversários de outro campo. Nos bastidores de cada cozinha, a água ferverá enquanto a frigideira chia.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.