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Blog do Carlos Melo

Um ano no UOL

Carlos Melo

19/01/2018 12h22

Dois bebês no berço – Foto: Alexey Losevich / ShutterStock.com

Há exatamente um ano, numa quinta-feira sufocante de janeiro, encontrava-me de férias, ansioso para quando chegasse fevereiro e eu pudesse começar minha participação aqui, no UOL. Embora escrever sempre tenha sido meu maior prazer e desafio — como alguém que se dedica a montar quebra-cabeças —, seria uma experiência nova em virtude da regularidade que a dinâmica de um grande portal impõe.

Minha intenção era iniciar o BLOG com mais tato e formalidades; cheio de prolegômenos, com aquelas apresentações de praxe: contar os planos que tracei, descrever objetivos; fazer minha apresentação pessoal para a imensa maioria que não me conhecia — embora eu escrevesse (com muito menor regularidade), por anos no Estadão OnLine.

Enfim, dizer quem sou, de onde vim, qual minha relação com a política, pela qual tenho fria "despaixão", digamos assim. E, por isso — pela "despaixão"—, sabia, descontentaria a muita gente, desses que escolhem um lado do conflito e ardem de febre pelo amor intenso que sofrem por seu partido, por seu ídolo, por seu inimigo, e, principalmente, por suas próprias ideias.

Era um risco: na intenção de não agradar a ninguém, havia grande possibilidade de desagradar a todos — ou, pelo menos, a muitos. E, de fato, isto aconteceu. Neste aspecto, fui bem-sucedido; tomei porrada de todos os lados: petistas, antipetistas; tucanos e antitucanos; empolgados com o governo Temer e os que o classificam sumariamente como "golpista". Toda a paixão das redes sociais, cada um com suas bíblias do "politicamente correto" em punho.

O "politicamente-correto-nosso-de-cada-dia, nos dai hoje" que, no mundo moderno, cada um cultiva para si mesmo, ao seu gosto, de acordo com suas conveniências; como base, discutível, de sua atiradeira de pedras. Seu estilingue.

Na verdade, há um ano, tudo o que pretendia confessar para iniciar a conversa era que apenas escrevo pelo prazer de escrever; pela carpintaria de cada texto, pela endorfina de juntar palavras e dar-lhes certo sentido melódico — eu que nem sei tocar um "instrumentu", infelizmente; e, em vão, como tolo, procuro música em cada frase.

E escrevo sobre política porque, confesso, falta-me criatividade para produzir ficção capaz de superar o surrealismo da realidade da política do Brasil. Escrevo sobre política porque essa é a atividade mais humana, rica e miserável que há sobre a terra: repleta de paixão, plena de toda grandeza e de toda a mesquinhez da humanidade. Uma usina que produz gigantes e anões; heróis e pulhas juramentados em cartório.

Enfim, era isto que estudava dizer naquele janeiro de 2017. Mas, literalmente, veio o tempo negro e, naquele dia 19, para tristeza de muitos e estupefação de todos, caía na bahia de Parati o avião que levava o ministro do Supremo, Teori Zavascki, relator dos casos da Lava Jato.

Foi irresistível sair da modorra de meus pensamentos e do descompromisso das férias: eu já era outro, reagia à provocação dos fatos.  Com efeito, a morte de Teori abria ainda mais fendas de dúvidas do que já havia. O que seria? E logo após isto, a escolha controversa do sucessor, Alexandre de Moraes; a discussão sobre a relatoria da Lava Jato, no Supremo, e definição do ministro Edson Fachin.

E, a partir de então, fatos novos a cada dia, numa lancinante sucessão de escândalos. A vertigem brasileira, nesta quadra histórica de crises múltiplas, com poucas alternativas e ausência de lideranças. As gravações de Joesley Batista, os vídeos e fotos das malas de dinheiro. Em quantia tanta a ponto de ofender que terá que trabalhar vinte vidas para juntar metade de uma mala daquelas.

A desfaçatez de Michel Temer, a arapuca que pegou Aécio; a sinuca de Lula, as estultices de dirigentes do PT. O farisaísmo e as contradições do PSDB; a coerência indecorosa do (P)MDB. O constrangimento dos que batiam panelas e calaram as bocas. O fisiologismo de qualquer base política, a disfuncionalidade do sistema. A falta de respostas no presente, o medo do futuro. A eleição, a forjada polarização, a fragmentação; o atraso da esquerda, o avanço da direita; a liquefação do "centro".

Foram 123 textos em um ano; mais de dez por mês, mais de 2 por semana. Pouco para a alucinação do mundo e para o "delírio com as coisas reais"; pouco para os treinados e ocupados exclusivamente com este mister. Mas, o suficiente para quem se divide em uns bons 12 trabalhos.

O fato é que neste ano, entrei na corrente sanguínea do debate e inoculei na minha sua adrenalina. O poeta Maiakovski dizia que "é melhor morrer de vodca do que morrer de tédio". Com a política do Brasil, ninguém morre de tédio. É uma cachaça. Vicia e nunca falta. Não imagino por quanto tempo mais durará esta aventura. O que sei é que, passado o primeiro ano, "não sou feliz, mas não sou mundo; hoje eu canto muito mais".

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

 

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.