Tucanos: entre os princípios e o pragmatismo
Não se trata de predileção, menos ainda fixação; apenas o dever de ofício. Escrever, em menos de quinze dias, três artigos a respeito do PSDB é mesmo dose pra leão. Mas, o fato é que a legenda merece atenção: desde a fundação, em 1988, ocupa espaço político central. Além disso, os caminhos que vier a tomar serão importantes para o destino do sistema político e para a eleição de 2018. Logo, ficar de olho nos tucanos é preciso. Viver não é preciso.
Como se sabe, o PSDB vive o seu "paga pra capar". Há na legenda uma disputa visceral entre grupos que dificilmente se acomodarão entre si; são visões de mundo e interesses múltiplos pouco ou nada conciliáveis. Mas, nenhum dos lados entregará ao ouro, sem resistência, o controle da máquina partidária. A luta é renhida e jogo interno é complexo.
Neste momento, há pelo menos três correntes com interesses e estratégias diversas; de um modo geral, poderiam ser classificadas como: pró-governo, os favoráveis ao desembarque e, por fim — nem um, nem outro — os radicalmente pragmáticos.
Entre os "pró-governo" há um pouco de tudo: gente de fato preocupada com a agenda econômica do país, ainda empenhada num processo inevitável de reformas fiscais que avalia como fundamental. Mas, há também os que se apegam a cargos e recursos públicos, de olho nas vantagens e efeitos eleitorais do poder. Por fim, um terceiro grupo que representa mais alinhado com o sistema político mais decadente: os que buscam proteção, no poder — ou protelação —, contra ameaças no âmbito da Justiça. Para esses, não há mea culpa a fazer; apenas uma luta a vencer.
Estes dois últimos setores se confundem com o PMDB, como muita gente já apontou e Fernando Henrique Cardoso ressaltou em seu artigo do último domingo.
Por sua vez, há no grupo que pretende desembarcar do governo também muita diversidade. Com efeito, existem aqueles voltados a valores e princípios, que compreendem que o governo perdeu credibilidade política e moral, o que justifica a retirada dos tucanos — independe das reformas que igualmente entendem necessárias. Trata-se de conduzir a legenda a outro porto, com outras normas, posturas e princípios. Fazer uma revisão e a mea culpa de modo a se purgar dos males.
Mas, tampouco nesse campo deixam de estar presentes os pragmáticos: aqueles que entendem que o governo Temer esteja tão desgastado que não haverá cargo ou benesse capaz de compensar o desgaste eleitoral de permanecer ao seu lado. Não há qualquer consideração moral, apenas algumas evidências e muita intuição política, desenvolvida no contato com as bases. Preferem se afastar.
No terceiro grupo estão os pragmáticos no mais alto grau, os radicalmente pragmáticos. Os que calam e fazem cálculos: onde mais se ganha, onde mais se perde. O menor custo e o maior ganho. Para estes, o melhor seria juntar as perspectivas: as vantagens de estar no governo — no uso da máquina e na associação com o aparelho eleitoral do PMDB —e, ao mesmo tempo, a vantagem do discurso ético, além de eventuais ganhos que possam advir da economia.
Em resumo, descolar do governo, apenas na hora certa, sem traumas, nem romper vínculos e possibilidades de alianças eleitorais com o PMDB e os eventuais resultados do governo. Os que preferem deixar o governo, em março. De todo modo, os pragmáticos — sejam pró ou contra o governo ou radicalmente pragmáticos — são maioria. Não de estranhar. Política é, na maioria das vezes, isso: pragmatismo.
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Como se sabe, o PMDB é dono de um invejável patrimônio eleitoral: em 2016, elegeu 1.026 prefeitos, 7.551 vereadores; possuirá o segundo maior tempo de televisão, entre todos os partidos. Há que considerar também o fato de deter inúmeros cargos federais, com influência política e dotação orçamentária. E, assim, em que pese o ônus da "marca" e a impopularidade do presidente da República, o dote que o PMDB entregará ao parceiro, em 2018, não é nada desprezível, eleitoralmente falando.
Esse dado de realidade é o que mais atormenta alguns próceres do tucanato: o aparato eleitoral atende a razões que o pragmatismo não desconhece. A ambiguidade das declarações e as evasivas do governador Geraldo Alckmin devem ser lidas, antes de tudo, por entre este prisma.
É provável que o governador esteja longe de nutrir qualquer simpatia pelo governo Temer; menos ainda que tenha compromisso com os que fogem da lei. Mas, candidato quase certo do PSDB, à presidência da República, é forçado a pesar prós e contras sob a ótica do pragmatismo.
É evidente que quer o PMDB consigo, com todos ou quase todos os seus recursos. Mas, o melhor seria que viessem por gravidade: numa condição dependente, sem comprometer ou levar o governador ao desgaste. De modo a que possa dizer: "apoiam a mim, não eu a eles". É clássico na política nacional que não se recuse apoio — ainda que não se deixe enforcar por ele. Busca-se o melhor de dois mundos.
(Não é muito diferente de setores do PT que hoje se aproximam de grupos que ontem chamavam de "golpistas").
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Enfim, o maior pesadelo de Geraldo Alckmin deve ser imaginar a fortuna eleitoral do PMDB ser repassada ao prefeito de São Paulo, João Doria, numa eventual mudança de partido. Não apenas Doria; Henrique Meirelles também. Ambos, no mesmo campo que Alckmin, teriam condições eleitorais, no mínimo, competitivas em relação a ele. Entende-se, assim, as reticências e vacilos do governador.
Como na vida, na política é igualmente impossível ter apenas o melhor de cada mundo. Ninguém escolhe apenas a favor; escolher é escolher contra. Na escola que Alckmin tem estudado, Michel Temer, Romero Jucá, Wellington Moreira Franco e Eliseu Padilha são professores, escreveram a cartilha. E, claro, sabem como usá-la. Não deixarão o governador livre para decidir apenas o melhor para si. Quando namora, o PMDB quer compromisso e somente casa em comunhão de bens — o PT aprendeu a duras penas isto —, caso contrário, agarra-se a outro consorte.
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Assim, o caminho de Tasso Jereissatti e seus companheiros agora na oposição não será suave. Lutar contra o governo e contra o PMDB supõe custos inegáveis para muitos de seus correligionários; o retorno não pode ser pequeno. Os pragmáticos radicais fazem cálculos, ganham tempo. E por isso não lhes interessa resolver o jogo apressadamente. Sabem que podem definir a parada para um lado ou para o outro.
Os antigovernistas do PSDB devem, portanto, ter isso em mente: se da disputa da convenção de 09 de dezembro se der pela exclusiva lógica do aparelho eleitoral, o mais provável é a procrastinação — ou até a vantagem pró-governo. Se não buscarem a pressão e o apoio de fora para dentro — recorrendo à base tradicional e à sociedade — a derrota será o resultado mais provável. O pragmatismo eleitoral brasileiro é implacável.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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