Ainda é cedo para apostar no futuro de João Doria
Embora já conte com setores organizados que ecoam sua voz, o prefeito de São Paulo, João Doria, ainda é o principal "porta desaforos" de si mesmo. Personagem de muita volúpia, determinação, não deixa barato; de extremo vigor físico e retórico, o prefeito, mesmo antes de atingido, manda petardos para todos os lados. E sabe de tudo, faz tudo, está certo de tudo. Abre diversas e simultâneas frentes de conflito. Governa como quem joga squash, maltrata a parede, a raquete e a bolinha. É seu estilo.
Seus sparings prediletos e calculados são Luiz Inácio Lula da Silva e o PT. Mas, não só. Enfrenta grafiteiros, rolezeiros, a moçada da Vila Madalena; analistas, experts, especialistas, radialistas… Com e sem razão, é um furacão de energia; avança tomado por uma missão que talvez nem saiba ao certo. Mantem a plateia em alta tensão, sem relaxamento. Tem obtido sucesso. Combina, afinal, com a vertigem dos dias; os dias andam assim.
Em virtude disto tudo, o prefeito realiza com explosão suas tarefas; dá a volta em torno de si, faz uma revolução que não se entende por onde; bate recordes, atraí a atenção nacional. Experiente profissional de relações públicas, reinventa a arte de "prefeitar"; exímio espadachim do marketing político e exposição pessoal.
Tem impressionado pela contundência e determinação: trabalha muito, dorme pouco, está em todo lugar, sabe mandar – coisa rara no Brasil. Tite, o treinador da seleção brasileira de futebol, notaria a "intensidade" de seu treino, anunciando a "densidade no jogo". Doria carrega mesmo certa dose de "titebilidade". Em comparação com Michel Temer, é um Lionel Messi.
Mas, por quanto tempo suportará tônus tão intenso? Por quanto tempo se manterá na mídia tão veementemente antes que a superexposição leve à saturação, ao desgaste, à impopularidade? Como sustentará a ambiguidade do ser e não ser prefeito e candidato simultaneamente? To be AND not to be?
Ok, Doria faz seu jogo e sabe-se lá se ele mesmo sabe o jogo que faz; o certo é que a adrenalina vicia. Ligado em tudo, parece tatear todas as possibilidades, incapaz de descartar qualquer hipótese. Mas, o risco é que pode se perder na indefinição, na falta de foco, nas encruzilhadas dos bastidores.
Na comemoração de seus 100 primeiros dias de gestão, houve muita ansiedade e aflição na mídia para avalia-lo. Desorientada pela velocidade do fenômeno, a imprensa se pergunta: "o que fez de bom", "o que fez de ruim"; "será prefeito", será presidente"? É cedo. Mas, a mais importante questão a ser feita é se institucionalizará novos métodos e procedimentos ou, ao final, toda e qualquer transformação dependerá sempre de sua energia pessoal? Indivíduos passam, cidades ficam; a política permanece.
No plano nacional, que influência poderá vir a ter na superação dos problemas e impasses? Que visão de futuro pode expressar se sua fixação discursiva consiste em matar amanhã o PT que morreu ontem? Que modernidade, assim, representará se a negação da política é dos truques mais antigos da própria política?
Seus inimigos, evidentemente, se apressam em desqualifica-lo; o qualificarão como mágico de truques manjados; um perigo pelas forças de reação que desperta e pelo salvacionismo que carrega. Cedo se recordarão de Fernando Collor, de Jânio Quadros, supostos precedentes que lhes dá gosto atiçar. Mas, também aqui é cedo.
Seus aliados já o colocam como a revelação do campeonato, o D. Sebastião-Gerente, retornado para livrar o povo da canalhada política; o líder carregado de carisma, capaz de enfrentar e desmontar burocracias enrijecidas. Sem sua disposição, há mesmice e nada mais é possível. É o instrumento reativo à degeneração do sistema; a renovação conservadora e segura à modernidade libertária, esquerdista ou messiânica.
Analistas já o elevam ao panteão dos fenômenos políticos; não deixa de ser e por isso fascina. Mas, Doria pode ser uma, outra, todas ou nenhuma destas possibilidades. Seu destino está em aberto, no campo das apostas; há variáveis absolutamente fora de controle. E o caminho que se desenha é ainda por detrás de seus passos, não a frente. Na política — e no próprio PSDB – haverá disposições a conte-lo ou a abraça-lo. Que espere para ver.
Primeiro, a história acontece; somente depois se pode compreende-la. Como se diz, os homens fazem a história, mas não sabem a história que efetivamente fazem. Cem dias, na volatilidade das horas, não valem mais que apostas; não são mais que suspiros da muita ou da pouca esperança de cada um.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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