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Blog do Carlos Melo

Eduardo Cunha não foi o único; falta gente em Curitiba

Carlos Melo

30/03/2017 15h12

Nos tempos de Poder. Foto de Pedro Ladeira/Folhapress

Que Eduardo Cunha não é santo, todos sabem. Revelações trazidas ao conhecimento geral a partir de operações conduzidas entre o Ministério Público e a Policia Federal indicam isto e, agora, também o juiz Sérgio Moro o confirma: o ex-deputado foi condenado a 15 anos e 4 meses de prisão. É uma resposta parcial à opinião pública. Pode não ser a regra, mas Eduardo Cunha está longe de ser o único.

Mais importante que festejar condenações – que ainda serão contestadas — é compreender a dinâmica que pariu Cunha e seus congêneres, ainda soltos pelo território nacional. O Ex-deputado foi apenas o primus inter pares de um conjunto de políticos que assimilou e se aproveitou, orgânica e pessoalmente, das brechas e das falhas do tipo de presidencialismo de coalizão que se desenvolveu no Brasil.

Presidencialismo de coalizão é um termo chique usado para explicar a necessidade de o Poder Executivo formar maioria no Legislativo e assim obter condições de governabilidade mais satisfatórias. Isto acontece em todas as democracias, sejam presidencialistas ou parlamentaristas.

O problema é que, por aqui, a lógica de formação de maiorias se subverteu: ela não se dá por identidade ideológica ou pela negociação programática. Para ter votos no Congresso – nas Assembleias Legislativas ou nas Câmara de Vereadores – o Executivo, antes, distribui cargos e recursos, comparando a fidelidade do que virá a chamar de sua "base de sustentação".

Acontece que, mesmo comprada, a fidelidade da base revela-se um amor que dura pouco. A voracidade por recursos é ilimitada. Para cada voto importante abre-se um novo processo de "negociação" que exige mais espaços e recursos: indicar cargos-chave nos ministérios e diretoria de estatais, por exemplo. Em tese, isto pode ser relevante e digno. Mas, também, pode ser reprovável do ponto de vista da qualidade da democracia.

Para muitos, esta possibilidade transforma-se em algo proveitoso para financiamento de campanhas políticas, assim como enriquecimento pessoal – o que não tem muita diferença; significa controlar orçamentos, manipular preços e, daí, coordenar "esquemas financeiros" mais amplos. Sem fiscalização ou com a tolerância do sistema, esse poder pode tornar-se uma mera questão hamletiana: corruption or not corruption! Um dilema básico.

O Poder Executivo, tal a Cunha e seus congêneres, também não é santo; está longe de ser vítima. Na verdade, opta pelo menor custo: é mais fácil comprar do que persuadir, mais simples subornar indivíduos do que politizar e envolver toda a sociedade ou parte substantiva dela nas decisões gerais do governo — também nos governos esses interesses eleitorais e pessoais existem.    

Cunha compreendeu como ninguém que precisaria ter poder para influenciar e se favorecer desse concluio. Primeiro, ainda no governo Lula, se fez relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que prorrogava a vigência da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) e ampliou seus espaços políticos. Mais tarde, tornou-se líder da importante bancada do PMDB, fazendo-se o principal operador de seus interesses.

Manipulando o processo como o sistema assim o permitia, pressionou empresas, financiou vários de seus colegas; ajudou-os, também eles, a conquistar espaços. Habilidoso, chegou à presidência da Câmara dos Deputados por esses caminhos. Despontava como uma nova liderança, ocupou todos as tribunas dos meios de comunicação, era temido; no auge do seu poder, sonhou mesmo com a presidência da República.

No segundo mandato de Dilma, continuou a exigir do Executivo a concessão de nacos crescentes de poder. Por teimosia ou somente por restrição fiscal – provavelmente, pelos dois — o fato é que a presidente se negou a lhe dar o que já não poderia; o que a crise econômica proibia; o que o esgotamento do processo, após três mandatos de alucinantes concessões, já não permitia.

Deu no que deu. Dilma terminou sem mandato e Cunha atrás das grades, condenado agora por Sérgio Moro. Mas, Cunha – que não é inocente – está longe de ser o único.

Não são todos os políticos que funcionam assim, a generalização é um erro grosseiro. Mas, o fato é que, o sistema em nada mudou – ou mudará muito lentamente. Com menor liberdade, em grande medida ainda se age com os mesmos costumes; a mesma disposição voraz. A cada semana, o país tem novas evidências disto. Protegidos pelo Foro Especial, há ainda carradas de Eduardos Cunhas soltos por aí. Falta gente em Curitiba.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.