Nova onda de más notícias tende a levar ao aumento de impostos
Nos últimos dias, um quadro negativo se revelou diante do governo de Michel Temer: primeiro, foi a carnificina comercial que se fez a partir da divulgação espetaculosa da Operação Carne Fraca, conduzida ela Polícia Federal; depois, a concessão às corporações estaduais, que agora ficarão de fora da Reforma da Previdência e pressionarão as combalidas contas dos estados. Por último, a magra vitória na aprovação da lei da terceirização trabalhista indica que é o governo o refém de sua base, não o contrário.
Os acontecimentos não mais permitem ocultar o óbvio que Michel Temer e seus rapazes escamoteavam: o país ainda dá voltas dentro de seu labirinto. Em que pese o pulso econômico do mercado e da equipe econômica, a pressão arterial é enorme. Não há controle do processo; os fatos são mesmo teimosos e insistem em reafirmar que esta crise não se resolverá apenas com os instrumentos manjados e desgastados fisiologismo e dos frágeis e forçados discursos de otimismo.
A crise é mais profunda, complexa e indomável: um modelo se esgotou; não há diagnóstico claro e nem consenso sobre isso; os atores políticos estão todos desgastados; as corporações e os grupos de interesse possuem mais força do que pode supor uma dada racionalidade econômica que distorce a realidade a seu favor; a luta entre o passado e o presente é muito mais visceral do que supõem analistas que pintam o futuro de cor-de-rosa.
Não bastassem exemplos mais sutis que, às pencas, andam por aí, considere-se apenas o bate-boca velado entre o ministro do Supremo, Gilmar Mendes, e o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot. O chumbo, trocado nas entrelinhas, entre ambos, indica o tamanho da confusão: a política, imobilizada, neste momento é incapaz de conduzir o processo.
Duas das mais elevadas autoridades, da Justiça – que diz a prudência, cabe, que se preservem — se estapeiam porque não há mediação política; porque, amordaçado, o sistema político sucumbe à mortalha dos escândalos semeados ao longo dos anos. Não há lideranças, não há articulação, nem meio-de-campo: há tendência à polarização, à radicalização e ao sectarismo. É um risco.
Há quem acreditasse – e talvez ainda acredite – que Michel Temer, vindo do sistema, fosse capaz de contorná-lo; negociar com ele alguns torrões de açúcar em troca de reformas que retirassem a economia do atoleiro e puxassem a política de volta do abismo. Sim, Temer vem do sistema e, por isso, o sistema mora nele; não lhe dá espaço para mudar sua lógica.
Cumpre informar, mais uma vez, o óbvio: Michel Temer não é Ulysses Guimarães, não é Tancredo Neves, não é Mário Covas, FHC ou Lula; é apenas o que sobrou, numa geração que já é de sobras do que um dia foi a grande Política. O jogo fechou e não se trata de reiniciá-lo, mas de buscar uma nova modalidade, com novas regras – ainda que, por enquanto, os atores sejam os mesmos. Mas, quem tem um único modo de pensar não sabe agir diferente.
Assim, o governo bate o bumbo e faz crer, aos mais inocentes, que o mundo gira ao seu ritmo. Faz a sua parte; sua função consiste mesmo em fazer-se acreditar; induzir a percepção de que tudo, afinal, está sob seu controle. Mas, é claro, que não está. O ritmo do bumbo bate num compasso simples: a pior crise é a econômica, ela desorganiza todo o resto; estancando sua hemorragia, estabiliza-se o paciente da política. Precisaria, apenas, combinar com o mundo.
Mas, a crise é, antes de tudo, política. Sem saber o que fazer – até porque este tipo de crise o corrói por dentro –, o governo deve, ao que tudo indica, apelar para terapias convencionais: na impossibilidade de cortar despesas, aumenta-se impostos. É pouco. Ou antes, é um modo de fazer com que a torcida invada o campo. Ou melhor, que os pacientes percam a paciência.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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