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Blog do Carlos Melo

O desconforto do sistema é evidente, as saídas ainda não

Carlos Melo

09/03/2017 13h05

Antônio Cruz / Agência Brasil

Antônio Cruz / Agência Brasil

O parafuso da crise deu mais uma volta e meia em torno de seu eixo. Foi na segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF), quando se decidiu que Caixa 1 de campanha não lava dinheiro sujo de corrupção.  A despeito do mandato e o foro especial, o STF transformou o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) em réu, criou precedente e complicou ainda mais as noites de sono de vários parlamentares.

Diz-se que a lista do procurador geral, Rodrigo Janot, com casos assemelhados ao de Raupp, beira a 250 nomes. A sensação de desproteção é, portanto, quase geral — ninguém sabe ao certo quem está ali. O aperto, a angústia e a aflição aumentam. A aposta pela impunidade parece, agora, menos viável.

Nesse momento, cada um pensa em si, é claro, mas todos buscam a todos como náufragos que se agarram. O sistema já quase não consegue disfarçar que sente algo mais que desconforto: as escaramuças dentro do campo do governo – PMDB x PMDB; PMDB x PSDB — mostram isto. Perder o foco de outros temas parece inevitável.

A princípio, uma limpeza geral até que seria bom; de tempos em tempos é preciso purificar o ar. O problema é que nada é tão simples: as conexões entre política e economia, mais que evidentes, são mesmo interdependentes. A crise, o desemprego e a queda de renda esperam soluções que passam pelo governo, mas que se decidem no parlamento.

Além do mais, trata-se de um governo de natureza parlamentar; foi no Congresso que se delineou a existência e a sobrevida de Michel Temer presidente da República como alternativa ao colapso de governabilidade que se deu sob Dilma Rousseff. O atual governo não apenas é resultado do sistema político – muito mais que dos votos dos eleitores – como é mesmo sua expressão. É evidente que se veja entrelaçado às teias de sua confusão.

Tragados pela areia movediça do pântano, o que poderia substituir governo e Congresso? A resposta é dura: NADA! E o vazio é perigosíssimo.

Já nem se trata mais de pacificar o país, que já quase está na paz dos cemitérios. Mas, de buscar saídas para todos os impasses em que todos estão metidos: políticos, empresas, trabalhadores, aposentados, o futuro. É a isto que parte do sistema político tem se dedicado nos bastidores de Brasília: como sair do labirinto em que o Brasil se meteu?

Procura-se nomes capazes de dialogar com o país, de modo a inaugurar e liderar um novo processo. Difícil encontra-los e até mesmo especular em torno dos personagens que aí estão. Primeiro porque não se sabe quem sobreviverá ao terremoto das revelações, levantados os sigilos das delações premiadas – não apenas da Odebrecht. Segundo, porque as disputas locais e os vetos cruzados calcinam a terra de novas possibilidades.

O governo Temer, aos poucos, vê esvair sua condição de condutor do processo, tantos são seus membros alvejados ou dependentes do desenlace dos escândalos. O próprio presidente da República – de declarações desencontradas e prosódia démodé, que como Dilma já passa a irritar a plateia — distancia-se do papel de "unir o país", como sonhou para si um dia. Seus limites são evidentes; não é seu perfil. Não é timoneiro, não nasceu para o mar; Temer é apenas mais um marinheiro.

Trata-se de um problema de monta, portanto. O país vive uma lamentável lacuna de liderança política. Não há alto comando, faltam propostas capazes de estabelecer acordos digeríveis. Inexistem até mesmo embaixadores capazes de negociá-las. Políticos mais experientes – sim, ainda há alguns poucos – procuram brechas; entendem que é preciso estabelecer pactos: lançar algumas almas ao mar de modo a que o barco possa seguir.

Mas, por mais que deem voltas, as reflexões dessa turma aportam sempre no incerto cenário de 2018. E, hoje, ainda não há olhos de ver sequer o quadro das próximas semanas quanto mais dos meses que virão. Quem serão os atores que ocuparão o palco; haverá nomes capazes de aglutinar à direita, à esquerda e ao centro? Mais: haverá algum tipo de aglutinação?

É forte o cheiro de fragmentação, com muitos candidatos de primeiro turno – como em 1989. Parece plausível que, como em 1989, o centro político se esfacele e os polos – à esquerda e à direita –  se expandam com a predileção pelos candidatos mais radicais. E assim viveremos 2018 à espera de 2022, quem sabe, de 2026.

São as especulações iniciais. A crise turva a linha do horizonte, diminui a possibilidade de enxergar mais longe. Especula-se, mas nada se sabe, ainda. Quem escapará da Lava Jato; quem sobreviverá à impaciência que aos poucos progride e pode terminar em fúria? Existem nomes novos, a princípio limpos, sim. Mas, haverá tempo para que se coloquem no processo? O parafuso gira e a porca da crise pode espanar.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.