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Blog do Carlos Melo

A rotatividade é característica em Serra, mas o momento é incomum

Carlos Melo

22/02/2017 22h13

Na noite desta quarta-feira, José Serra surpreendeu a todos com o pedido de demissão do ministério das Relações Exteriores; soube-se que nem seus companheiros de partido sabiam de sua intenção; até mesmo Michel Temer recebeu sua carta com uma exclamação. O ministro – agora, novamente senador -, não sinalizou a ninguém, "não deu seta", como se diz; apenas virou a esquina, fechando aliados, causando freadas bruscas. Pois, é claro que imediatamente se especula sobre suas razões – para além dos motivos de saúde –, citado que está entre as delações da Operação Lava jato.

De todo modo, a decisão do agora ex-chanceler não deveria surpreender. Nos últimos anos, José Serra tem ocupado espaços centrais na política brasileira: foi prefeito, governador nos maiores colégios eleitorais do Brasil — São Paulo capital e estado; ainda os cargos de maior visibilidade no país, após a presidência da República. Foi também duas vezes candidato à presidência da República (perdendo para Lula e para Dilma) e até hoje seu nome é cogitado como postulante ao cargo, em 2018.

Além disso — e mesmo independente dessa centralidade –, Serra é um dos personagens mais polêmicos da política brasileira: seu temperamento é conhecido – a contundência de suas posições também; sua capacidade de trabalho é extraordinária. Assim como a intensa rotatividade nos cargos que ocupa.

Em 2004, elegeu-se prefeito, renunciando para se candidatar ao governo do Estado (2006); assinou em cartório compromisso de que permaneceria no Palácio dos Bandeirantes, mas entregou o cargo para concorrer ao Planalto (2010); em 2012, decidiu na última hora que disputaria novamente a prefeitura; igualmente o fez quando resolveu candidatar-se ao Senado, em 2014.

Esse zigue-zaguear lhe parece típico, portanto. Não deveria, mas surpreende no entanto. Serra foi dos primeiros ministros anunciados por Michel Temer, de quem foi entusiasta e colaborador ainda durante o processo em que se discutia o impeachment de Dilma Rousseff como apenas uma possibilidade. Serra é  inquieto e móbile, mas estava envolvido com o projeto de Temer. Contudo, se há motivos de saúde…

E a questões de saúde não cabe reparos: é justo e legítimo que corra atrás de uma rápida recuperação – aliás, deve faze-lo. Há dias se diz nos bastidores que o ministro não tem, de fato, andado bem. Todavia, dúvidas e insinuações são inevitáveis. "O que de fato passa pela cabeça de José Serra" é a pergunta que 10 entre 10 agentes políticos fazem a si mesmos a partir da divulgação da notícia no Jornal Nacional. Ainda assim, em que pese o momento e as características do personagem, com saúde não se especula nem se brinca.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.