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Blog do Carlos Melo

Apresentar Michel Temer como reformista será exagero do PMDB

Carlos Melo

19/02/2017 20h17

Alan Marques / Folhapress


Surgem informações de que, no final de março, o PMDB irá à TV e apresentará Michel Temer como um presidente "reformista"; o condutor de um governo voltado à transformação o Brasil. Faz sentido: o partido precisa mesmo fazer algo: 1) as pesquisas apontam que a popularidade do presidente roça a grama do Alvorada; 2) seu governo, sempre enrolado com afirmações e recuos, não é gerador de grandes notícias; 3) seu partido está pelo pescoço com a Lava Jato; 4) como disse Rubens Ricupero: "o que é bom a gente fatura, o que é ruim, a gente esconde". Logo, forjar um herói na TV é caminho manjado. Faz parte.

Além disso, na infinita constelação de peemedebistas, um grande número amarga cana, suspeitas ou ostracismo, o que faz da legenda um deserto de candidatos competitivos para 2018. Visto com olhos de hoje parece pouco provável, mas Michel Temer pode, com o vazio e o passar dos meses, ganhar algum brilho; tornar-se figurinha no monte para o jogo de bafo que com os partidos – "política" e "Brasil" são palavras que, conjugadas, potencializam qualquer possibilidade.

Mas, em que pese o esforço de seu partido e do banho de loja televisivo que o presidente vier a tomar, já é possível avaliar o jeito Michel Temer de ser, seu estilo político no comando do Poder Executivo. Em 9 meses e tanto de governo, para além da implicância inicial com as mesóclises presidenciais, a história já pariu algo mais ou menos palpável para uma análise a respeito do ator: seu tipo de liderança. Parece conveniente, então, a antecipação crítica ao programa do PMDB e modo a, preventivamente, conter eventuais exageros de seus aliados.

Contido em gestos e afirmações por temperamento pessoal, Michel Temer é, no contexto político atual, a cara do receio, do cuidado e da recusa à qualquer forma de ousadia, que deixa a cargo dos ministros. Como o campo é minado — e ele sabe disto –, Temer é mais desconfiado que qualquer mineiro desses que fizeram folclore na história do país, sem no entanto, poder esboçar a mesma sagacidade de alguns deles. O presidente não se aventura. Prefere, antes, balões de ensaio à decisões claras; aguarda a reação de uma opinião pública ainda que difusa para somente após se posicionar.

A sustentação que dá à área econômica é firmada no puro pragmatismo: na origem de seu comportamento, está a convicção de que a piora econômica pode, num piscar de olhos, fazer farinha de seu governo. Isto não é ruim nem é um defeito. Mas, se o faz é menos por recorte ideológico do que por conta das circunstâncias: tem consciência da pindaíba econômica e compreende que sua mais rápida superação é o que pode salvar o sistema político do abismo político.

Nesse ponto, nem se difere da maioria dos políticos. Mas, até por isso não seria o caso de chamar-lo "reformista". O que a questão aqui merece é um alerta: sendo puramente pragmático, pode-se inferir que se "mudarem as circunstâncias, mudará também o amor" pela reforma? É provável, pois não há apego ideológico por ajustes, regimes de responsabilidade fiscal ou transformações profundas. Um fôlego nos juros pode, por exemplo, levar à leniência com os gastos – em que pese os limites da lei. Logo, a postura reformista será mesmo sustentável; um diálogo com o futuro, como fazem os reformistas? Como coração de adolescente, previsões nessa área são sempre incertas, emocionais e voláteis.

Mas o estilo de Michel Temer não se limita à sua relação com a agenda econômica. O presidente é um líder que não hesita em hesitar e ceder; no jogo de pressões, concilia o quanto pode e capitula de acordo com a força dessas pressões. Não por acaso, amiúde recua de recuos antes negados; não se impõe, deixa que a realidade seu trabalho; que o mar navegue.

Os exemplos são vários: há meses, seus operadores no Congresso deram asas a articulações voltadas à regularização do Caixa 2. Com a reação pública, juntou-se aos presidentes da Câmara e do Senado para afirmar de público que não fariam o que o Congresso, até hoje, por meio de lideranças do governo, ainda não desistiu de fazer.

Mais, recentemente, nomeou Wellington Moreira Franco seu ministro dando-lhe o abrigo do foro especial. Com a reação da mídia e das redes sociais, foi ao público com desculpas e dissimulações num malabarismo precário: "Ministro réu será demitido", afirmou. Não esclareceu que: 1) limitava-se à Lava Jato – já há ministro réu em outros processos; 2) omitiu que a lenta tramitação dos processos da Lava Jato, no Ministério Público e no STF, dificilmente fará réu um de seus ministros, no tempo que resta deste mandato.

Mas, tampouco é nisto que o estilo Temer se revela. Cabeça do tipo de parlamentar que se fez como regra nos últimos anos, o presidente enxerga o jogo fisiológico como naturalíssimo, essência da política. Em alguma medida, de fato é. O problema é que práticas assim resumam o jogo exclusivamente a isto — como parece crer o ministro, Eliseu Padilha, seu amigo e porta-voz informal –, visão que empobrece a dinâmica de uma Política maiúscula (ou menos miúda).

Sim, é verdade que há mediações a fazer. De fato, fosse Temer mercurial como Itamar Franco ou Fernando Collor, o país dificilmente chegaria ao final da travessia da pinguela que é seu governo. Com efeito, o Congresso reage a quem não lhe adula e sua base é, realmente, inconfiável. Nesse campo, as armadilhas são muitas para um presidente frágil, levado ao poder em condições atípicas. É humano que sinta receio: são as contingências da política, os limites da realidade. Mas, se reformas houver, as circunstâncias as farão; apresentá-lo como reformista é exagero. Só faltará chamá-lo "estadista".

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.