A economia salvará a política ou será prejudicada por ela?
Notícias desta quinta-feira dão conta de que o real foi a moeda que mais se valorizou em relação ao dólar. Não sou economista, mas isto parece ser bom. Naturalmente, o contrário seria muito ruim: o Brasil importa insumos, os preços dos alimentos subiriam: inflação é um bicho que come, sobretudo, o pobre. Então, a notícia da relação real/dólar parece mesmo alvissareira.
Em muitas rodas de classe média e no mercado financeiro, vive-se em certa euforia; com uma notícia dessas, o otimismo até aumenta. A situação com Dilma, de fato, parecia apontar para o caos: uma desorganização geral da economia, o risco de uma escalada inflacionária, o crescimento do desemprego em ritmo ainda mais acelerado. Num dado momento, diziam vários economistas, o país olhava para o abismo e o abismo sorria e dizia para país: "vem buscar-me que ainda sou teu", — que repetindo Vicente Celestino.
Essa percepção parece ter mudado. Pelo menos na área econômica, há pouca controvérsia em relação à qualidade da equipe. A começar por Henrique Meirelles – o que os petistas poderiam falar do presidente do BC de Lula, ao longo de 8 longos anos? –; mas não só: de modo geral, o time é um todo respeitável, pelo menos para quem entende do riscado.
Além disso, o governo andou aprovando no Congresso quase tudo o que quis. Como apontou Eliseu Padilha, foram 88% de apoio. "Nem Vargas!" Medidas importantes passaram; a principal delas, o teto de gastos. Outras foram encaminhadas e, sobretudo, o mercado respira uma brisa de otimismo como se já tivéssemos voltado ao ufanismo em que o Cristo decola, coisa de inacreditáveis poucos anos atrás. Ok. É importante essa sensação de voltar para o eixo.
Nessa perspectiva, pode-se dizer que o governo de Michel Temer é um sucesso. Onde estava o país que não o colocou, antes, no lugar de Dilma? Pensando assim, Temer nem parece a contingência que é, mas um verdadeiro achado.
Sinceramente? É muito difícil comprar essa moeda por seu valor de face. A história é mais complicada.
É inegável que na economia "melhorou"; deixar de piorar já é bom. E, no mais, sair de expectativas péssimas para expectativas, no mínimo, moderadas é reflexo de uma transformação positiva. Não se trata de desmerecer a moçada da economia e nem os esforços do governo. A dimensão dessa melhora, no entanto, requer discussão; a qualidade do processo pede mais reflexão e menos clichês.
O país melhora de modo sustentável? Quais são as bases dessa melhora?
Como tem sinalizado a economista Mônica De Bolle, a situação "saiu do péssimo para o muito ruim". As expectativas pararam de piorar, sim, mas nem por isso o quadro deixou de ser horroroso. Quem vive de salário, de emprego, de saúde, educação e segurança públicas sabe a armadilha em que se encontra; a cilada, o labirinto. Já quem vive de investimentos sorri: bem mais rápido voltará a lucrar com o Brasil. Não é ilegítimo — e nem se trata de exarar juízos de valor –, mas a questão é que são realidades muito distintas, dramaticidades e sentido de urgências também. O Brasil é grande e complexo. Não pode ser visto apenas pelos olhos de suas elites.
Em primeiro lugar, é preciso não confundir "equipe econômica" com a totalidade do governo; e nem "governo" com o sistema político. Vista no conjunto do sistema político nacional, a equipe econômica é uma espécie de par de olhos verdes no rosto do quasímodo: um ponto reluzente, num todo assustador.
O fato é que a melhora continuada da economia depende – e sempre dependerá — da qualidade da política. A determinação e a propensão a tomar medidas corretas – nem sempre populares –, a coragem para arcar com desgastes de curto e médio prazos, independente da avaliação imediata de eleitores, da opinião pública. E mais, a coerência com esta postura para além do aperto imediato; ao longo de muitos anos.
A capacidade de o governo conduzir processos conta, mas também a natureza desses processos é importante. Um sistema baseado quase que exclusivamente no fisiologismo é um sistema débil; dependente de insumos que tendem rapidamente a se esgotar ao mesmo tempo em que causam dependência. Seria como manter alguém feliz por meio da cocaína: a droga leva ao vício, exige doses crescentes; quando falta…
E não é apenas isto. Sobre este sistema, parece fundamental também considerar os efeitos resultantes das pressões advindas da Operação Lava Jato (e ela não é a única). A base caminhará para o abate de modo bovino, triste e disciplinado? As margens de salvação são pequenas, é claro, mas sempre há, em política, espaço para algum tipo de coação; a base reagirá ao porrete do matador sem chiar nem um tiquinho?
Os dados econômicos de hoje precisam, portanto, ser pesados com os números das pesquisas de popularidade de ontem (CNT/MDA). Os números da política comprometerão os dados da economia, ou, antes, serão resgatados por eles? A resposta não é tão simples.
As pressões sobre o sistema político para saídas econômicas mais rápidas, que acelerem a retomada do desenvolvimento e resgatem almas do purgatório da Lava Jato, tendem a aumentar. Nos jornais de hoje, já se cobra de Meirelles um "pacote de bondades". O resultado do processo dependerá dessa dinâmica econômica e política; da confluência entre ambas.
Contudo, enquanto a economia melhora em ritmo de cágado, a política piora em passo de lebre. Não é desprezível a possibilidade de que a segunda atropele a primeira.
Por último: a popularidade de Michel Temer ao rés do chão não é resultado, não, de uma disposição heroica para "fazer o que deve ser feito" — como o presidente e seus aliados gostam de repetir. Não teria dado tempo para isto e nem as reformas já se fizeram sentir em profundidade. Sua fragilidade brota, antes, de concessões e da conciliação ao sistema político que a natureza de seu grupo lhe obriga. Nasce em seu ser o modo como é percebido. Não adianta dissimular, nem especular com o real.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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